6 de febrero de 2014

MST, 30 anos: muito além da distribuição de terras



ENTREVISTA A JOÄO PEDRO STEDILE, REFERENTE DEL MOVIMIENTO DE TRABAJADORES RURALES SIN TIERRA DE BRASIL 

Com presença em 23 estados, além do Distrito Federal, e com mais 900 assentamentos que abrigam 150 mil famílias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completou 30 nesta semana. Criado em um encontro nacional que reuniu 80 trabalhadores do campo em Cascavel, no Paraná, em 22 de janeiro de 1984, o movimento já realizou, ao longo de sua história, mais de 2,5 mil ocupações, acumulando duas mil escolas instaladas em assentamentos, além de outras conquistas como acesso a crédito para a produção. Em entrevista, João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST, falou sobre os novos rumos do movimento e da luta no campo.   

Por Igor Carvalho e Glauco Faria (desde Brasil)

Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo. Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo”, aponta. Stedile também criticou o atual ritmo das desapropriações de terra no Brasil. “No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores que atuam no governo.” Confira a íntegra da entrevista a seguir.   

– Nestes 30 anos, bancada ruralista e parte da mídia tradicional combateram, às vezes de forma pouco sutil, o MST. Como o senhor vê a atuação desses dois grupos?
O capital está adotando um modelo de exploração da agricultura que se chama agronegócio. Nesse modelo, há uma nova aliança das classes dominantes, que aglutina os grandes proprietários, as empresas transnacionais e a mídia burguesa. Eles usam todos os seus instrumentos, como o Poder Judiciário e o Congresso, para defender sua proposta, desmoralizar a reforma agrária e toda luta social no campo.   

– Boa parte da estagnação e dos retrocessos na questão agrária estão relacionados não apenas ao Executivo, mas também ao agronegócio, muito representado no Congresso Nacional. Nesse sentido, o senhor entende que é essencial uma reforma política? Quais pontos seriam fundamentais para serem mudados?
O Brasil vive uma crise política. Crise política no sentido de que o povo e a classe trabalhadora não têm controle sobre os que deveriam ser seus representantes nas esferas políticas do Estado. Essa distorção se dá pelo financiamento privado das campanhas eleitorais, cada vez mais caras, e pela manipulação ideológica do monopólio dos meios de comunicação, sobretudo pela televisão. Assim, os eleitos respondem apenas aos interesses da classe que os financia, em vez daqueles que votaram neles.  É preciso mudar as regras da política, para voltarmos a ter uma democracia representativa séria em que o povo possa acreditar. Então, a reforma política é para modificar muitos aspectos desse processo, e vai desde a forma de escolher os candidatos, de financiar as campanhas, os compromissos, os tempos de mandato e o direito do povo de convocar por conta própria plebiscitos populares para julgar questões candentes, até revogar mandatos de eleitos que descumprirem os compromissos assumidos com o povo. Porém, esses detalhes da reforma política, que não estão claros para todos ou mesmo não tendo unidade entre as forças populares, precisam ser aprofundados, justamente num amplo debate político com a população. Por isso, estamos articulados numa ampla plenária de todos os movimentos sociais brasileiros que tiraram como missão comum realizar neste ano um grande mutirão para debater com a população que tipo de problemas temos na política e que tipo de reforma precisamos fazer. Na semana do 7 de setembro, vamos realizar um plebiscito popular para que a população vote se é necessário ou não convocar uma Assembleia Constituinte, soberana e exclusiva para implementar uma reforma política. Essa será nossa tarefa nos próximos meses. 

– O congresso nacional do MST, em 2014, falará sobre o programa Reforma Agrária Popular, construído internamente pelo movimento. Como o movimento vai se organizar para enfrentar o agronegócio?
O agronegócio é um modelo de produção agrícola do capital, que exclui a população. Constitui uma nova classe dominante, mais forte e mais complexa. Daqui em diante, as mudanças no campo, para a construção de um novo modelo agrícola que produza alimentos sadios, que não agrida a natureza, que distribua renda e represente desenvolvimento para nosso povo, depende de uma aliança de toda classe trabalhadora.  Por isso, nossas táticas devem incluir a aliança com a classe trabalhadora na cidade, com os jovens e todos os movimentos sociais urbanos. 

- Antigamente, o que se via no MST era prioritariamente a busca pela distribuição de terra. Hoje, há uma preocupação, também, com a infraestrutura dos assentamentos e por acesso à tecnologia na produção agrícola. A defesa do meio ambiente, pensando em modelos de produção que não sejam agressivos à natureza, é a próxima bandeira do movimento?
Exatamente. Houve uma mudança nos últimos anos em nosso programa agrário e construímos o que chamamos de proposta de reforma agrária popular. No período anterior, dominado pelo capitalismo industrial, havia ainda a possibilidade de uma reforma agrária do tipo clássico, que representava democratizar a propriedade da terra e integrar o campesinato nesse processo. Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que exclui e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização. Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo. Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo. E incluir a democratização da educação como uma necessidade do desenvolvimento social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18 milhões de trabalhadores adultos analfabetos, e a maioria está no campo.   

- O senhor falou, recentemente, da união de forças entre MST e a população indígena. Acredita que, unindo forças com os índios, a luta por terra ganharia outra dimensão no país? 
A classe trabalhadora tem de defender a causa indígena. Os povos indígenas vem sendo massacrados pela ofensiva do capital, que quer também suas terras e riquezas, em especial na fronteira econômica do agronegócio, como Mato Grosso do Sul, sul da Bahia e Maranhão. Os povos indígenas, apesar deterem seus direitos garantidos pela Constituição, são minoritários e não têm força de, sozinhos, enfrentarem o poder do capital.  Por isso, renovo o apelo: que todo o povo, em especial os setores organizados da classe trabalhadora, defendamos os povos indígenas. É uma forma, inclusive, de pagamento da nossa dívida histórica, com os nossos avós históricos, que sempre foram os zeladores da natureza para que chegássemos aonde estamos. 

– Estamos em um ano eleitoral. Como o MST irá se posicionar nessas eleições?
O MST tem uma tradição histórica de nunca se posicionar enquanto movimento social por um ou outro candidato. Sempre nos posicionamos em torno da necessidade de defender projetos populares. Procuramos conscientizar a nossa base, para que tenha visão política e vote nos candidatos e projetos que representam os interesses do povo e derrotem os setores direitistas. Esse comportamento individual, como cidadão consciente, vai se manter nas próximas eleições. 

- De que forma o senhor vê a evolução da reforma agrária nos governos Lula e Dilma? 
A reforma agrária, do ponto de vista conceitual, é um amplo programa de Estado que consegue democratizar o acesso à terra e eliminar o latifúndio, como está até na nossa lei. Porém, nunca houve reforma agrária no Brasil. Nós tivemos apenas programas pontuais de criação assentamentos, frutos da luta direta e da pressão social, que obriga os governos a desapropriar algumas fazendas e as transformarem em assentamentos. No governo Lula, ainda se manteve um ritmo razoável de desapropriações pontuais, embora parecido com o governo FHC. No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores que atuam no governo.Não me canso de dar um exemplo que chega a ser patético: a presidenta Dilma se comprometeu com o movimento de assentar as famílias sem terra do Nordeste nos perímetros irrigados de projetos do governo. Existem atualmente  86 mil lotes vagos em projetos antigos, onde o governo já investiu milhões, tem água e terra. Basta levar as famílias. E nada acontece. Ou seja, poderíamos assentar imediatamente 86 mil famílias em área irrigada, com garantia de produção que resolveria a situação de grande parte dos acampamentos do Nordeste.   

Há uma expectativa sobre como vão se comportar os movimentos sociais durante a Copa do Mundo no Brasil. O MST irá às ruas? Qual a posição do movimento em relação ao Mundial?   
Há muitos setores sociais da juventude que certamente vão se mobilizar. Estaremos juntos com todas as mobilizações que representem lutas por melhores condições de vida de nosso povo. O lugar privilegiado do povo é fazer política com mobilização nas ruas. Somente pela mobilização poderemos alcançar mudanças. Elas nunca virão do Congresso ou pela vontade iluminada de governantes. Porém, espero que as mobilizações comecem logo. Não necessitemos casar a luta por melhores condições de vida com o período da Copa. No período da Copa, corremos o risco do povo em geral não gostar e não aderir. Todos queremos ver a Copa e, por outro lado, corremos o risco de reduzir as mobilizações a denúncias do valor das obras. Cá entre nós, mesmo os valores exagerados gastos em algumas obras e reformas representam muito pouco perto dos bilhões repassados pelo governo todo dia no pagamento dos juros aos banqueiros. Nossa luta deve ser para que os recursos públicos, hoje reservados pelo supervit primário para pagamento dos juros – que só engordam os especuladores e o capital financeiro – sejam destinados para investimentos necessários em educação, saúde, transporte público e reforma agrária.


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